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Blog sobre a biblioteconomia, bibliotecário, biblioteca, informação, mensagem, usuário, TICs. O nome do blog foi "surrupiado" de um roteiro (para teatro ou cinema) escrito por Paulo de Castro, o maior bibliotecário da terra. E viva Kalímeros!

Memória Literária

Meu nome é Ronaldo Silva. Nasci em São João do Oriente no ano da graça de 1975. Filho de agricultores semi-alfabetizados - minha mãe estudou até a segunda série do primário, numa época em que isso garantia que o aluno saberia ler, escrever e contar. Meu pai estudou até a quarta série do primário. Desde criança gosto de histórias. Meu avô, Geraldo Carola, era mestre em contá-las. O interessante é que muitas histórias que ele contava eram conhecidas e publicadas, como João de Calais, João e Maria, Pedro Malasartes. Ele certamente não leu essas histórias em livros. Ele as ouviu de seu pai, que ouviu do pai dele e assim sucessivamente. Meu avô contava as histórias de “cabeça”, então cada contação da mesma história era uma versão diferente, cheia de improvisos – por causa das traições da memória e por causa da interação com a platéia.

Aprendi a ler aos sete anos, na Escola Estadual Padre Francisco Weber, e não parei mais. Minha escola não tinha biblioteca, então eu lia meus livros didáticos, herdados do meu irmão mais velho. Devo ter lido a história do Soldadinho de Chumbo umas mil vezes. A da Pequena Sereia também. Ambas de Hans Christian Andersen. Os livros didáticos eram ótimos para ler contos e crônicas. Foi assim que li pela primeira vez Luis Fernando Veríssimo (O lixo), Rubem Braga (Conversa de compra de passarinho), Stanislaw Ponte Preta (A vontade do falecido), Monteiro Lobato (Um homem de consciência), Lourenço Diaféria (As aventuras de um ciclista urbano), Carlos Eduardo Novaes (No país do futebol), Lima Barreto (A nova Califórnia) e outros.  Pelo fato da minha escola não ter biblioteca não tive contato com os livros infantis e autores conhecidos, como Tatiana Belinky, Lygia Bojunga, Bartolomeu Campos Queirós, Maria Clara Machado. Tenho esse déficit em minha formação de leitor: li poucos livros infantis

O primeiro livro de literatura, livro mesmo, que eu li foi "A ilha de coral" adaptado da obra de Robert Ballantyne. Eu já tinha onze anos. Antes eu matava minha fome de leitura nos pedaços de jornal que vinham embrulhando algumas coisas que meus pais compravam. Me deleitei com as aventuras de Juanito (Jack), Rodolfo (Ralph) e Peterkin em sua viagem pelos mares do sul. Seu navio naufraga e os três adolescentes ficam sozinhos em uma ilha. Lá enfrentam "selvagens" ferozes e piratas carniceiros. Saudade. Me lembro também da Coleção Vagalume. Emprestei da escola, que como eu já disse não tinha biblioteca, "Aventuras no Império do Sol" e "A vida secreta de Jonas". Li e reli dezenas de vezes. Depois conheci outros livros da coleção como “Meninos sem pátria”, “Na mira do vampiro”, “Perigos no mar”, “Barreira do inferno”. Tinha também a coleção “Para gostar de ler”. Esta coleção tem textos de muitos autores conhecidos da nossa literatura, inclusive alguns dos cronistas citados anteriormente. Dos livros de “literatura para adultos” que li antes do segundo grau, me lembro de "O Cabeleira", de Franklin Távora, e “Menino de engenho”, de José Lins do Rego.

Em 1991, com 16 anos, fui morar em Belo Horizonte. Nesta época, cursando o ensino médio, comecei a ler clássicos da literatura brasileira e mundial. Fui morar com uma tia que tinha muitos livros. Lá eu li Eça de Queirós (Primo Basílio), Machado de Assis (Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas), Herman Melville (Moby Dick), Jonathan Swift (Viagens de Gulliver), Lima Barreto (O triste fim de Policarpo Quaresma, Clara dos Anjos). Na escola li quase todos os romances de Machado de Assis (Helena, O Alienista, Esaú e Jacó, Quincas Borba). Teve leituras “obrigatórias”, mas que foram prazerosas: “O cortiço”, de Aluízio Azevedo, “Lucíola”, de José de Alencar, “São Bernardo”, de Graciliano Ramos e outras. Foi uma época de leituras intensas.

Quando voltei a morar em São João do Oriente, em 1996, abandonei a literatura. De 1996 a 1999 morei em São João do Oriente (MG), Vitória (ES) e São Paulo. Não li livros neste período. Mas não abandonei a leitura, pois continuava lendo jornais e revistas. E ouvia muita música e assistia muitos filmes. Esse foi um período muito conturbado da minha vida, regado a rock pesado, "stress", drogas (pouca), violência (muita), excesso de trabalho.

Em 2000 voltei a São João do Oriente e retomei minhas leituras literárias. Um primo me emprestou “Eugenie Grandet”, de Balzac. Depois vieram “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, e os dois grandes livros da minha vida: "Cem anos de solidão", de Garcia Marquez, e "Crime e castigo", de Dostoievski. Dostoievski não li mais, mas Garcia Marquez não parei: "O amor nos tempos do cólera", "O veneno da madrugada", "Ninguém escreve ao Coronel" e tantos outros. Depois li “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago e “A divina comédia” de Dante. Por causa do vestibular de 2002 li “O amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos, “Um copo de cólera”, de Raduan Nassar, “Encarnação”, de José de Alencar, “Poema sujo”, de Ferreira Gullar e “O sentimento do mundo”, de Carlos Drummond. Foi aberta a trilha para que eu lesse os autores mineiros: Fernando Sabino (O encontro marcado, A vitória da infância, O grande mentecapto), Roberto Drummond (O Cheiro de Deus), Carlos Drummond de Andrade (Alguma Poesia, Brejo das Almas), Darcy Ribeiro (O mulo, Maíra) e outros. Dois pecados que tenho que remediar: não li “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa, e “Hilda Furacão”, de Roberto Drummond.

Desde 2002, quando entrei no curso de Biblioteconomia da UFMG, tive a oportunidade de conhecer novos autores e reencontrar velhos conhecidos. Quando fiz estágio na biblioteca pública tive, pela primeira vez, contato com um universo literário “infinito”. Ao mesmo tempo a leitura acadêmica se tornou parte de meus hábitos. Até a entrada na universidade filosofia, sociologia, ciência política, teoria literária, lingüística não faziam parte da minha prática de leitura. O cotidiano da universidade diminuiu o tempo para a leitura literária, mas aumentou, e muito, minha carga de leitura. Ainda assim continuei lendo literatura. Das leituras mais recentes cito “O anjo pornográfico”, “A estrela solitária” e “Chega de saudade”, todos de Ruy Castro. Os dois primeiros são biografias: de Nelson Rodrigues e Garrincha respectivamente. O terceiro conta a história da “turma da bossa nova”. Muitos dos livros citados anteriormente foram lidos pós 2002. Minha leitura mais recente foi “Abril despedaçado”, de Ismail Kadaré. E atualmente estou lendo “Itinerário para Pasárgada”, de Manuel Bandeira e alguns contos de Machado de Assis.