Blog sobre a biblioteconomia, bibliotecário, biblioteca, informação, mensagem, usuário, TICs. O nome do blog foi "surrupiado" de um roteiro (para teatro ou cinema) escrito por Paulo de Castro, o maior bibliotecário da terra. E viva Kalímeros!
Em
2010 acompanhei o bibliotecário Antonio Briquet de Lemos em um evento na UFMG.
Foi bacana porque pudemos conversar bastante tempo. Falamos sobre eleição, Brasília, sobre a importância dele para a história do rock brasileiro dos anos 80 (http://www.youtube.com/watch?v=PEcvjN7s260) e, é
claro, Biblioteconomia. E ele disse uma coisa que não esqueço: que essas
notícias sobre leigos fundando bibliotecas o incomodavam. Para ele, são os bibliotecários que
devem assumir esse papel.
Adiante listei algumas notícias sobre projetos de criação bibliotecas e incentivo à leitura que - baseado nas reportagens - não tiveram a participação de
bibliotecários em sua idealização. Para esclarecer: nem tudo o que é nomeado como "biblioteca" nas reportagens, realmente é uma biblioteca. Segundo o bibliotecário e professor Gustavo Saldanha
o termo “biblioteca” é objeto da epistemologia
biblioteconômica desde o século XIX. Logo, é um conceito que se não é, se quer,
ao menos, científico. Este conceito ou quase-conceito comporta, por exemplo:
serviço de referência, estudo de uso e usuários, desenvolvimento de coleções,
administração, representação temática, descritiva e classificação, preservação,
etc...
Dito isso, vamos à lista:
- Acervos
em pontos de ônibus e açougue-biblioteca em Brasília: o projeto "Parada
Cultural", que cria mini-acervos em pontos de ônibus em um açougue foi
idealizado por um empresário.
- Biblioteca
Comunitária da Vila Torres (em Curitiba): a biblioteca foi idealizada e montada
pelos próprios moradores. Segundo a reportagem, o acervo foi catalogado por uma
bibliotecária, que também elaborou uma política de desenvolvimento de coleções.
- A Borrachalioteca
em Sabará (MG): o projeto foi idealizado por um estudante e instalado em uma
borracharia, mas foi expandido, segundo a reportagem do hoje em dia.
- A bicicloteca
em São Paulo: a reportagem não informa a formação e a profissão do idealizador
do projeto, Robson Mendonça. Mas diz que a ideia de criar uma espécie de
caixa-estante (uma bicicleta-estante) nasceu porque ele não podia fazer
empréstimos em bibliotecas quando morava nas ruas e não tinha comprovante de
endereço (reflitamos, por favor).
E
como esses, há outros projetos - de bibliotecas comunitárias, de espaços de leitura, de caixas estantes - que não são idealizados por bibliotecários. Creio que existam outros tantos que são.
Ideias bacanas há muitas por aí. Há
dois anos encontrei um livro na sala de espera de um aeroporto e pensei que
alguém havia perdido. Ao folhea-lo vi uma etiqueta na capa: "não estou
perdido, estou viajando..." O propósito era esse: depois de ler o livro o
leitor o "abandonava" na sala de espera de qualquer aeroporto. Não
anotei, mas havia uma maneira de verificar o caminho do livro. O leitor podia
se cadastrar em um site e, utilizando um número de registro, dizer onde encontrou e onde "abandonou" o
livro. Parecia uma ação de marketing de uma editora, ou uma iniciativa de um grupo religioso (o livro era editado por uma 'editora evangélica'). Mas me pareceu uma boa idéia, que inclusive poderia ser transportada para outros espaços.
No
futuro as pessoas não vão mais sair de casa para ir a bibliotecas ou livrarias.
Através dos cada vez mais sofisticados computadores e gadgets, o leitor
acessará tudo o que necessita com um simples clique, toque de tela ou comando
de voz (ou ondas cerebrais). Para muitos, esse futuro já chegou. As bibliotecas,
até pouco tempo atrás baseadas no impresso, enfrentam um cenário de mudanças profundas
com a popularização dos suportes informacionais em meio eletrônico. Se antes era
o leitor quem ia à biblioteca, agora é a biblioteca que vai ao leitor. Mas nem
todas as bibliotecas passarão por essas transformações radicais. As bibliotecas
infantis e as escolares manterão muito do que são atualmente, mesmo que mudem.
Uma
das razões é porque criança gosta de ler, não importa se pedra, casca de
árvore, areia, papel ou e-reader; e também gosta de ir à biblioteca. Criança
não tem preguiça; tem é tédio de fazer coisas maçantes. E leitura,
definitivamente, não é uma coisa maçante. As crianças encaram a leitura como a
descoberta de novos universos; elas têm orgulho de mostrar que sabem ler. Entre 2004 e 2006 trabalhei em uma biblioteca escolar.
Lá os pequenos corriam para a biblioteca na hora do recreio e ficavam
balbuciando as palavras, com aquela reticência típica de quem estava aprendendo
a reconhecer as letras. E quem sabia mais, lia para os outros. A glória era
mostrar para um adulto que sabiam ler. Liam em voz alta, para chamar a atenção.
Os adolescentes não gostavam tanto de ir à biblioteca, pois muitas vezes a
leitura virava uma obrigação. Mas os pequenos, se pudessem, passariam o tempo
todo lá.
Outra
razão é porque essas bibliotecas incorporam ao seu cotidiano serviços que
atraem os (pequenos) usuários ao seu espaço: contação de histórias, teatro,
saraus, oficinas de arte, palestras, exposições, bate-papo com escritores.De
todos os tipos de biblioteca, a infantil e a escolar são as que melhor se
orientam pelos seus usuários. Moldam-se à sua imagem e semelhança. Voltam-se
para a leitura por prazer (mais a infantil que a escolar, que em seu - apoiar o
projeto pedagógico da escola - ainda desvela uma obrigação). O universo
infantil é lúdico e as bibliotecas entranham-se nesse espírito. Criança é
criança em qualquer lugar, em qualquer tempo.
As bibliotecas vão acabar? Não sei. Só sei que estão mudando para se adequar a uma nova realidade; maior "presença" no mundo virtual é uma dessas mudanças. As bibliotecas infantis e escolares, por outro lado, são mais atraentes fisicamente que virtualmente. Porque ir à biblioteca, para os pequenos, é como aquelas brincadeiras que não saem de moda.
Quem
trabalha em instituições culturais sabe como é escassa a verba estatal para
essas atividades. Normalmente, as secretarias de cultura dos Estados e
Municípios são as que têm o menor orçamento. Considerando as exceções,
propiciadas pela vontade e esforço dos gestores à frente dessas instituições,
as bibliotecas sofrem com essa falta de verba. Assim, mesmo em cidades de
porte, há poucas bibliotecas públicas. Nas capitais há, normalmente, uma
estadual e uma municipal; nas cidades do interior, há apenas a municipal.
O
Projeto de Lei do Senado 27/2005 (http://goo.gl/4LdOP)
permite “incluir a dedução de doações de livros a bibliotecas públicas no
cálculo do imposto de renda devido por pessoas físicas”. Tramitou por dois anos
na casa, passando pela Comissão de Educação e pela Comissão de Assuntos
Econômicos, recebendo parecer favorável em ambas. Em 2007 o projeto foi enviado
à Câmara dos Deputados, transformando-se no PL 1570/2007 (http://goo.gl/HTsm0); no mesmo ano recebeu parecer favorável da Comissão de
Educação e Cultura e foi remetido à Comissão de Tributação e Finanças. O
Deputado André Vargas (PT/PR) foi então designado relator e deu parecer
favorável (aprovação do projeto com emendas) em 2009. Desde então o projeto
pouco andou e em 2013 foi devolvido à comissão sem manifestação. Um novo
relator foi designado, o Deputado Pedro Eugênio (PT/PE) (http://goo.gl/G5UUD).
A Lei 9250/1995 (http://goo.gl/NNhXe),
que “altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas”, diz, no art. 12, inciso II, que são
dedutíveis no imposto devido “as contribuições efetivamente realizadas em favor
de projetos culturais, aprovados na forma da regulamentação do Programa
Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC”. O PL 1570/2007 altera esse artigo da
lei, para permitir que sejam dedutíveis “as doações de livros adquiridos pelo
contribuinte, feitas a bibliotecas públicas, até a data limite de entrega da
declaração de ajuste”.
Atualmente, para captar recursos junto às pessoas físicas
através de renúncia fiscal, os gestores de bibliotecas devem apresentar projetos
ao PRONAC, de acordo com a Lei 8313/1991(http://goo.gl/gCXJZ)
– ver especialmente o art. 3º, inciso
II, alínea a dessa lei. As grandes bibliotecas fazem isso, porque
contam com estrutura, serviços e pessoal, além do suporte do órgão mantenedor. Mas
raramente acontece nas pequenas bibliotecas. A alteração da lei 9250/2007 facilitará
o desenvolvimento de acervo, calcanhar de Aquiles de tantas instituições. O
contribuinte poderá deduzir do imposto devido (até 6%) os gastos com livros
doados. A comprovação será feita mediante apresentação a nota fiscal de compra
e de um recibo fornecido pela biblioteca que receber a doação.
Sei que pode parecer utopia, mas a aprovação desse
projeto de lei seria um “bom negócio” para os bibliotecários. Possibilitaria o
desenvolvimento de acervo nas pequenas bibliotecas, muitas delas à mercê da
vontade de gestores públicos que não as veem como prioridade. Seria uma forma
de resolver, pelo menos parcialmente, a eterna falta de verba para a cultura.